sábado, 31 de outubro de 2009

· a menina que sorria ·



Episódio acontecido em 2006.

Um dia, quando eu estava indo para a escola, estava furiosa porque tinha perdido o ônibus. Dia lindo. No imenso céu totalmente azul brilhava um sol delicioso, que a minha raiva não me deixava aproveitar, sem falar que eu suava feito louca. Reclamava comigo mesma. Só pensava numa prova de matemática que eu iria encontrar quando chegasse atrasada na escola, isso se eu desse a sorte de entrar no horário. De repente, olho para frente e me deparo com uma criança, uma garotinha que estava no colo de uma mulher, provavelmente sua mãe. A garotinha devia ter na faixa de uns sete a oito anos, usava óculos e tinha deficiência física. Olhei firmemente para ela, ainda com a minha expressão de raiva no rosto. Uma criança ‘normal’ teria uma das duas reações: ou iria se assustar, ou tiraria os olhos de mim na hora. Ela não. De repente, ela deu um sorriso engraçado, faltando dois dentes de leite na frente. Minha expressão de raiva foi trocada rapidamente pelo esboço de um sorriso desajeitado. Eu parei. Pensei. E me senti a pessoa mais ingrata do mundo. Deus me deu duas pernas perfeitas, que funcionavam muito bem, e eu reclamando por que tinha que andar um pouco, enquanto aquela garotinha, que não podia nem andar, não se preocupava se fazia sol ou chuva, mas ela estava lá, feliz da vida. Talvez você esteja pensando ‘ah, mas claro que ela estava feliz, ela não estava tendo o trabalho de andar no sol’. Se você não pensou, parabéns, meio caminho andado para o céu. Só que eu tive esse pensamento. E me senti a pessoa mais estúpida do mundo. Passavam outras crianças por nós, na mesma faixa de idade dela, só que elas estavam correndo, pulando e brincando. E a menina lá, sorrindo pra mim, sem se importar se suas pernas podiam correr ou não. Comecei a fazer o mesmo trajeto a pé, todos os dias. E nunca mais vi a menina que sorria. Talvez eu esteja doida, não sei, mas ninguém me tira da cabeça que aquela menina tinha que estar ali, naquela hora, naquele dia, pra me mostrar como eu era ingrata. O ser humano faz tempestade em copo d’água. Tem tudo nas mãos e mesmo assim o jardim do vizinho sempre é mais verde. E com tudo isso, uma criança de sete anos me ensinou que nada acontece por acaso.

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